“A gratidão é a virtude das almas nobres”, concluiu Esopo mais de quinhentos anos antes de Cristo dar o ar da graça aqui na Terra. É difícil pensar em um homem de alma grande que não seja capaz de demonstrar agradecimento pelas benesses que recebe. Ser grato carrega algo de honesto, de reconhecimento pela generosidade de alguém.
Esse gesto aparentemente simples, no entanto, tem povoado menos almas do que deveria. É preciso sair de si e examinar as ações do outro e as conquistas da própria vida em busca de contentamento, mas olhe lá quem está disposto a deixar seu umbigo para valorar a ação de outrem. Olhe lá quem é capaz de mirar a própria vida e sentir-se grato pelo que já alcançou.
É claro que o ingrato não consegue ser feliz. A gratidão limpa a alma, mas a ingratidão a deixa suja e pesada. Não é conversa de espiritualista, a física quântica está aí para provar a influência de um bom pensamento. Só que dizer “obrigado” literalmente significa assumir uma dívida, uma obrigação moral: significa o dever de, no mínimo, reconhecer que o feito do outro fez algum bem. Gratidão, portanto, pressupõe empatia, nobreza e, acima de tudo, humildade. Pouca gente hoje, no entanto, é humilde. Desenvolvem-se homens-meta, que almejam ser sempre maiores, mais brilhantes, soberanos e únicos. Criam-se crianças-modelo, prontas para conquistar o mundo com respostas afiadas e complexo de rei. A ingratidão, muitas vezes, é aprendida dentro de casa.
Mal sabe o ingrato que a reverência de agradecimento deveria estar em todo lugar. Gratidão ao pai, que se doa de si para conduzir o filho pelo compasso da vida; ao parceiro, que se dispõe a dividir sua estrada, em seus picos e vales; ao moço que gentilmente cede lugar na fila; ao inimigo, que sem querer deixa mais forte e sábio aquele que agride; às pequenas cortesias do porteiro; aos erros do passado, que possibilitam os acertos do presente… Não existe hora para reconhecer que a existência do outro agrega e que a história percorrida até agora merece reverência.
A gratidão sincera não precisa de cerimônia e dispensa intermediários. Há momentos em que agradecer dispensa até mesmo palavras, traduzindo-se em abraços, sorrisos, orações ou num simples suspiro profundo de quem se alegra pelo que já alcançou. Vive-se hoje a certeza de que nada é suficiente, uma sede inesgotável que consome dinheiro, energia e sobretudo a própria vida. A graça tem sido lamentar pelo que ainda não se tem, sem reconhecer o que já foi alcançado e quem ajudou a chegar até aqui. Copo meio vazio sempre.
De toda forma, ainda que soe absurdo, que possamos ser gratos aos ingratos. “Vale a pena experimentar também a ingratidão para encontrar um homem grato”, disse Sêneca. Que até o veneno das almas pequenas possa ser fonte de aprendizado e que o homem ingrato seja sempre uma lembrança daquilo que não se deve ser.
Fonte: Revista Bula